As trevas que ensombram o Afeganistão

Imposição do hijab às apresentadoras de televisão é só o mais recente atropelo aos direitos das mulheres, mas a lista já vai longa. Os talibãs tomaram o poder há dez meses e, apesar de terem prometido apresentar-se numa versão melhorada, a realidade conta uma história distinta.

Agosto de 2021: cerca de 20 anos depois de terem sido “corridos” do poder por uma coligação de tropas estrangeiras, os talibãs recuperaram o domínio do Afeganistão. O regresso aconteceu apenas três meses e meio após a retirada da já referida coligação e chegou acompanhado de uma série de promessas que, como já se desconfiava, nunca chegaram a ser cumpridas.

A principal estava relacionada com a condição feminina. Numa primeira conferência de imprensa, os talibãs garantiram que respeitariam os direitos e as liberdades das mulheres no país. Pouco depois, acrescentaram à promessa uma condição: respeitariam sim, desde que estas seguissem a sharia, a lei islâmica. E progressivamente foi-se percebendo que, afinal, o compromisso não passava de uma ilusão.

As notícias que nos foram chegando ao longo dos últimos meses ajudaram a perceber isso: universidades femininas fechadas, o acesso das raparigas à educação negado aos poucos, mulheres impedidas de voltar ao local de trabalho ou até vendidas como escravas sexuais, para fazer face à extrema pobreza que tem grassado no país.

 

Apresentadoras de rosto coberto

No início de maio deste ano, novo balde de água fria. Se até então bastava às mulheres um lenço para cobrir o cabelo, o chefe supremo dos talibãs restringiu ainda mais as liberdades femininas, dando ordens para que estas passassem a tapar-se inteiramente em público, incluindo o rosto.

Depois, foi a vez de o Ministério para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício do Afeganistão fazer um ultimato às apresentadoras de televisão no sentido de, também elas, cobrirem a face no exercício da profissão.

Num primeiro momento, ainda ousaram desafiar os talibãs, exibindo-se em direto sem esconder a cara, mas logo acataram as novas regras, submetendo-se às austeras leis do grupo islâmico. Atualmente, usam hijabs e véus completos, que apenas deixam os olhos à vista. Pior: muitas temem mesmo vir a ser completamente arredadas dos ecrãs (algo que, por sinal, já acontece nos canais estatais).

 

Colegas solidários

Curioso foi constatar que os apresentadores de televisão (homens) não ficaram indiferentes perante mais uma restrição aos direitos das mulheres. Para manifestarem o seu apoio e solidariedade às colegas do sexo feminino, também os pivôs dos principais canais se apresentaram perante a câmara de máscara – neste caso, uma máscara cirúrgica preta.

“Estamos a apoiar as nossas colegas mulheres. Durante as nossas transmissões em direto, ou em programas políticos, usamos máscaras em protesto”, explicou à AFP Nabil, jornalista da TOLOnews, o principal canal de televisão privado do Afeganistão.

regime talibã é que não pareceu minimamente impressionado. Inamullah Samangani, porta-voz, recorreu ao Twitter para esboçar esta infeliz comparação. “Se obrigar ao uso de gravata é correto, então porque é errado o uso do hijab? Se uma gravata pode ser parte de um uniforme, porque não um hijab?”, questionou, insanamente. É só mais uma prova de que as trevas voltaram a ensombrar o Afeganistão.

Texto: Ana Tulha