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A generosidade é o abrigo dos sem-abrigo

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Quando as decisões nos levam para onde não contávamos e onde nos deixamos ficar. A história de Miguel, que tem as estrelas como teto e o pó da terra como chão.

Miguel tem 54 anos e vive debaixo de um viaduto na cidade do Porto. É sem-abrigo e Miguel não é o seu nome verdadeiro. Nasceu numa família cheia de amor, com mãe, pai e irmãos, assim como tu, considerada normal.

Cresceu e com ele cresceram os vícios do mundo. Envolveu-se cedo na droga -um caminho tortuoso, escuro e muito duro. Caiu num abismo coma família a servir de guindaste para o tentar resgatar desse mau caminho. Sem sucesso.

Vive na rua há demasiado tempo. Tanto que já diz que agora “é tarde de mais”. “Não quero estragara vida à minha família”, desabafa com o TAG, negando a possibilidade de um reencontro. Tem dois filhos, ambos resguardados numa vida limpa, com casa, teto, chão e, mais importante, uma família. “Amanhã é um dia melhor”, diz aoTAG como um mantra para repetir, a ver se se concretiza.

Miguel tem pó colado às vestes rasgadas, uma barba branca desalinhada e o cabelo tapado com um chapéu quente que alguém lhe deixou. “Vivemos de associações e da generosidade de pessoas que passam. Deixam mantimentos e comida quentinha.”

O viaduto onde Miguel vive, juntamente com o irmão de rua, mais novo, é uma casa improvisada. Quatro placas em madeira ao alto encostadas na parede do viaduto, um vaso à porta-antiga porta de um armário de cozinha – um colchão dentro desse espaço com muitos cobertores e um quadro gasto e quebrado acima do colchão, onde repousa. Há ainda uma mesa com uma cadeira, um fogão e um frigorífico, muito deteriorados e vazios.Tudo muito empoeirado. Tudo arranjado nos contentores do lixo. Miguel diz que já não consegue viver de outra maneira. “Não se preocupe. Isto não é nada.”

 

O que os números dizem

A Estratégia Nacional para Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo elaborou um inquérito sobre a população que se encontra nesta condição, entre fevereiro e maio do ano passado, e daí saíram números e dados sobre as pessoas que têm o céu como teto e a terra como chão.

Esse inquérito determina que um sem-abrigo define-se por aquela pessoa que “independentemente da nacionalidade, origem racial ou étnica, religião, idade, sexo, orientação sexual, condição socioeconómica e condição de saúde física e mental, se encontre sem teto, vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário, ou sem casa, encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito”.

Nos primeiros meses de 2018, existiam em Portugal Continental 3 396 pessoas em situação de sem-abrigo, das quais 1 .3 sem teto e 1953 sem casa.

Texto: Joana M. Soares

Ilustração: Francisco Araújo