A relação de forças políticas em França está a mudar. A União Nacional obteve um resultado histórico com a eleição de 89 deputados. O que se passa? A democracia está em perigo?
Marine Le Pen, rosto do partido de extrema-direita União Nacional, encontrou espaço no cenário político francês. Em 2012 o seu partido tinha apenas dois deputados, em 2017 oito, agora são 89, eleitos na segunda volta das eleições legislativas realizadas no mês passado.
O aumento exponencial, e histórico, da extrema-direita em França abana pilares fundamentais da sociedade e faz repensar a estratégia de criar “cordões sanitários” a estes grupos políticos , numa tentativa de travar o crescimento e a implementação das suas ideias. São partidos nacionalistas e populistas que colocam em causa o sistema democrático. A realidade, porém, mostra um aumento de representatividade e popularidade em vários países, Portugal incluído. Por toda a Europa, a extrema-direita generaliza-se e normaliza-se a passos largos.
Advogada e política
Marine Le Pen concorreu à presidência de França três vezes, nas últimas três eleições. Em 2012, ficou em terceiro lugar, atrás de Hollande e Sarkozy. Em 2017, ficou em segundo lugar na primeira volta, Macron ganhou. Em 2022, a terceira vez que concorreu, mais um segundo lugar, Macron voltou a vencer.
Le Pen estudou Direito, é advogada, política e deputada desde 2017. Em 2011 e 2015, a revista Time elegeu-a como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. É filha de Jean-Marie Le Pen, que foi líder da Frente Nacional até 2011, cinco vezes candidato à presidência de França, nunca eleito.
Nas últimas legislativas francesas, Marine Le Pen bateu todas as expectativas com 89 deputados eleitos, colocando a União Nacional como o principal partido da oposição na Assembleia Nacional, uma vez que a coligação de esquerda, com 131 deputados, está dividida em vários grupos parlamentares.
A implementação e força de Le Pen é evidente, mantém os bastiões tradicionais, e elege deputados onde nunca antes tinha conseguido. Tudo isso tem uma leitura. A expansão da extrema-direita em França pode ser o princípio do fim da frente republicana. Ou seja, o acordo de cavalheiros para apoiar o candidato do eixo democrático contra qualquer adversário da extrema-direita tornou-se frágil e pode cair por terra.
Nacionalismo e populismo
O fenómeno da extrema-direita no panorama político internacional é evidente nos dias de hoje, mas já nos anos 90 do século passado havia esforços para levar vários representantes ao poder na Europa. O nacionalismo (movimento que defende que para se pertencer a uma nação é preciso aceitar os seus valores culturais) e o populismo (discurso assente no que o povo quer ouvir e que potencia sentimentos negativos e apresenta soluções autoritárias) são duas características destes partidos.
A extrema-direita defende várias ideias, tais como a pena de morte e o recurso a medidas que impedem a imigração (os imigrantes são olhados como competição em termos de trabalho e recursos públicos). As desigualdades sociais são vistas como parte da ordem natural. A extrema-direita não acredita na democracia. O racismo, a xenofobia, a discriminação, os discursos de ódio direcionados para as minorias, fazem parte da linha de pensamento destes partidos. A liberdade, o multiculturalismo, a igualdade de oportunidades, a União Europeia, e a própria democracia são assim contestados.
O rastilho do Brexit
Em 2016, a vitória do Brexit, saída do Reino Unido da União Europeia, apoiada pelo Partido Independente do Reino Unido, com a reabilitação da Frente Nacional, abriu caminho para a extrema-direita e o surgimento de novos partidos dessa ala em países como Alemanha, Áustria, Hungria, França, Finlândia, Itália, Polónia. Todavia, já no decorrer da crise económica de 2008, que levou ao aumento do desemprego e da insatisfação popular nas instituições nacionais, se sentiu um crescimento do apoio à extrema-direita.
Entretanto, os partidos populistas e de extrema-direita engrossaram a sua representação no Parlamento Europeu e, neste momento, 10% dos partidos e 13 dos assentos parlamentares são nacionalistas, populistas e eurocéticos.
Chega, em Portugal
Um relatório sobre o extremismo de direita na Europa dá nota da “normalização” política do Chega, partido que é a terceira força na oposição em Portugal. O documento alerta para a “possibilidade de radicalização” dos protestos da extrema-direita, no país. O Chega, lê-se, tem potenciado “narrativas-chave” extremistas “a níveis nunca vistos na política” portuguesa, desde o fim da ditadura. Tanto que propõe a castração química de pedófilos e já discutiu a retirada dos ovários a mulheres que abortem e a pena de morte.
Os responsáveis pelo relatório, Ricardo Cabral Fernandes e Filipe Teles, referem que a extrema-direita poderá tentar “tirar vantagem da insatisfação, frustração e ressentimento da crise socioeconómica causada pelas medidas adotadas para conter a pandemia da covid-19.”
Grupos identificados
No nosso país estão identificados seis grupos ligados à extrema-direita. O Chega, que tem assento parlamentar há duas legislaturas. O Ergue-te, antigo PNR (Partido Nacional Renovador). Os grupos Escudo Identitário e a Associação Portugueses Primeiro, o Hammerskin e o Movimento Zero (estrutura não oficial de forças policiais) também fazem parte desta lista.
Texto: Sara Dias Oliveira