Publicidade Continue a leitura a seguir

Pergunta Tu/“Tenho imensas saudades de estar do lado do público”

Publicidade Continue a leitura a seguir

A Inês, de nove anos, e o João, de sete, questionaram a atriz e formadora de teatro Ana Azevedo, da companhia Visões Úteis, sobre a sua carreira e como enfrenta a plateia desde o palco.

A carregar vídeo...

 

Inês

Como começou a tua carreira?
Este ano, celebro os meus 20 anos de carreira como atriz e de forma profissional. Estudei numa escola de teatro. Mas antes de seguir teatro, frequentei o 10.º ano de um curso de Ciências. Nada a ver comigo! Só que foi preciso ir para este curso para perceber que eu era toda de uma outra área. Era muito mais criativa. Na altura, não fazia a mínima ideia se se podia estudar teatro, se havia escolas de teatro. Andei meio perdida até que numas férias decidi fazer um curso de teatro. Descobri que havia o “Balleteatro”, escola profissional de teatro do Porto. Quando me disseram que iam fazer castings para formar uma turma para o curso profissional, eu disse logo “OK, eu quero”.

Sentes o que a tua personagem diz?
No teatro, há vários métodos para se construir personagens. Eu sinto que tenho que conhecer o que aquela personagem faz. Se estou a fazer uma personagem que é um engenheiro, uma diretora de uma empresa, um homem ou até um animal, tenho que estudar bem aquela personagem, pesquisar, e a partir daí é como se eu e a minha personagem fossemos as melhores amigas. Não sou inteiramente aquela personagem, porque não deixo de ser a Ana, não deixa de ser teatro, porque estou a interpretar.

Qual foi a tua peça preferida?
A peça “Orla de Bosque” foi muito importante para mim. Foi com a companhia com que me estreei e onde trabalho até hoje. É algo que me diz mesmo muito. Foi uma peça com ótimas críticas. Lembro-me que os meus amigos e a minha família foram ver na expectativa de que a minha participação seria curtinha, uma coisa de cinco minutos. E ficaram muito surpreendidos, porque foi o oposto. Adorei. Depois, fiz outra peça de que gosto muito, “Nióbio”. Fizemos em 2012 para a Capital Europeia da Cultura em Guimarães. Marcou-me muito, porque trabalhámos muito para ela. Era uma crítica à sociedade e ao nosso país, falámos de tudo o que se estava a passar. Ao mesmo tempo, era uma comédia. Estávamos descontentes e decidimos criar um novo país, chamado Nióbio. E o que temos de fazer para criar um país novo? A peça era sobre isso mesmo.

Como é que consegues chorar numa peça?
Tive um grande professor que nos dizia que estávamos muito preocupados com a ideia de chorar. Afirmava: é mais importante fazerem passar a mensagem e fazer chorar o público, do que estarem a esforçar-se por chorar e não choram. É mais importante estarmos comovidos a passar a mensagem do que deixar cair a lágrima que já não se vê na segunda fila. Mas também há técnicas para chorar. Fora as lágrimas, o que a pessoa faz? Há soluços, ficam tensos, tremem. É mais a interpretação da parte física de como podemos ficar do que apostar na lágrima.

Estás a fazer algum espetáculo?
Neste momento, não. Tenho imensas saudades. E mais do que estar em palco, tenho imensas saudades de estar do lado do público e assistir a um espetáculo.

João

Quando começou a tua carreira?
Estava no último ano do curso de teatro quando uma companhia, a Visões Úteis, me convidou para entrar numa peça profissional deles. Estreámos pouco depois de eu ter acabado o curso.

Como te sentiste na tua primeira peça?
Na minha primeira peça profissional, a “Orla do Bosque”, a minha personagem tinha um nome muito fixe, chamava-se “Cool”. Estava muito entusiasmada, dediquei-me muito àquilo. Terminei o curso e ensaiámos durante o período todo das férias de verão, portanto tive praticamente três meses só focada na peça e a trabalhar no projeto. E, todos os dias, aquela personagem ia-se construindo mais um bocadinho. Estava a trabalhar com atores profissionais que já faziam isto há mais tempo do que eu. Ensaiámos várias vezes, no palco, com o cenário, mas sem público. E, claro, entrar em palco com público dá aqueles nervos, que parece que não vamos conseguir fazer nada e vamos ter uma branca enorme. Digo aos meus alunos, é normal e até é bom sentirmos alguns nervos, porque nos leva ao foco. É bom sentir as borboletas no estômago, a adrenalina, porque a seguir vamos respirar fundo e concentrar-nos.

Qual é o teu sentimento quando atuas?
Há um sentimento muito grande de responsabilidade. Nós ensaiámos muito tempo para aquele momento. Sinto que, se eu falhar em alguma coisa, estou a prejudicar o grupo. Uma apresentação nunca é igual à outra. É ao vivo, não é gravado, as energias são diferentes de dia para dia. Mas nós, enquanto colegas que estamos a contracenar uns com os outros, vamo-nos apoiando. Até nas falhas, porque acontecem coisas em palco, caem figurinos, falta uma deixa, mas isso é também a magia do teatro. Se acontecer alguma coisa, em equipa, improvisamos. Também costumamos dizer que não há falhas quando o público não se apercebe.

Ficas nervosa quando acontece alguma coisa fora do contexto da peça?
Não há tempo para pensar nos nervos. O trabalho de ator passa por trabalharmos exatamente essas situações. E, enquanto estudamos e ensaiamos, praticamos muito essa situação. Se acontecer alguma coisa, é claro que se fica sempre nervoso, mas a preocupação neste ponto é resolver logo a questão e nem há tempo para pensar. Já aconteceram imensas coisas. Acontece uma branca, esquecer-me do texto, ou um colega não dar a deixa certa. A preocupação é resolver em equipa e pensar rápido e improvisar. É muito importante trabalhar com o erro para aprendermos com ele.

Com esta situação da covid, ficaste triste por não poder fazer teatro?
Fiquei muito triste. Eu dou aulas e estou mais vezes em formação do que a fazer teatro. Fiquei triste porque tínhamos um projeto de três turmas do 9.º ano para apresentar e era um grande espetáculo. Tivemos de repensar tudo. Não foi possível estar com todos em palco ao mesmo tempo. Fizemos na mesma o projeto, mas adaptado. E esta adaptação, ainda assim, foi boa. Tive pena por não poder estar com os alunos todos. Estiveram em palco apenas dois representantes de cada turma, os outros estavam em direto connosco a partir das escolas no Zoom. Mesmo assim foi bom para todos não termos deixado de fazer o projeto. Foi importante ter acontecido aquele momento final.

 

Texto: Joana M. Soares
Foto: David Tiago / Global Imagens