Portugal é só Lisboa e o resto é paisagem? A História explica

Portugal é só Lisboa e o resto é paisagem? A História explica

A deslocalização do Tribunal Constitucional de Lisboa para Coimbra reacendeu o debate. Temos um país centralizado. Tudo na capital, tudo no litoral. É assim há séculos.

Parece uma mera questão geográfica, só que é muito mais do que isso. A transferência do Tribunal Constitucional de Lisboa para Coimbra foi aprovada na generalidade, na Assembleia da República, com os votos a favor do PSD, CDS, Iniciativa Liberal, e por oito deputados do PS (a restante bancada socialista optou pela abstenção). Esta mudança, que ainda terá de ser aprovada na especialidade, está a dar que falar, há quem concorde, há quem critique. Os juízes desse tribunal não gostam da ideia, recordam a tradição do centralismo português, até usam o verbo “desprestigiar” para classificar essa deslocalização, e lembram, a propósito, que os órgãos de soberania sempre tiveram sede em Lisboa. É um facto.

A Assembleia da República é um órgão de soberania e está em Lisboa. A Presidência da República e o Governo, também estruturas de soberania, estão em Lisboa. O Tribunal Constitucional idem aspas. São poderes soberanos do Estado concentrados na capital. Há outros tribunais espalhados pelo país – Porto, Coimbra, Évora têm tribunais da Relação, por exemplo. Mas nesta concentração de instituições de maior poder, Lisboa ganha aos pontos ao resto do país.

 

Desproporção de recursos

O centralismo não começou ontem. A concentração do poder na capital sempre aconteceu e foi reforçada a partir das primeiras décadas do século XIX. As forças dirigentes rumavam no mesmo sentido, vieram os liberais e depois os republicanos, o Estado Novo e a Revolução de Abril, e quase nada mudou nesse aspeto. O Estado tornou-se mais amplo e mais vasto, com mais poderes e competências, e os seus pés continuaram em Lisboa. Há a exceção das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

Os anos passam, os partidos debatem muitos assuntos e, volta e meia, a centralização do país que pende para Lisboa e inclina para o litoral entra na agenda política e social. Fala-se na desproporção de recursos, população, oportunidades, equipamentos e serviços, riqueza, nas cidades versus aldeias, litoral versus interior. Defende-se a descentralização, suas virtudes e benefícios, e quase nada muda.

O debate ainda vai no adro. Há os que querem que tudo se mantenha em Lisboa, que os centros de decisão não devem sair da capital. Há os que criticam o excesso de centralismo e o apontam como um fator que trava o desenvolvimento e insistem que há outros pontos geográficos capazes de receber instituições importantes.

 

Regionalização e cedência de poderes 

Concentração puxa o tema da regionalização que tem anos e anos de discussão. A Constituição portuguesa prevê a existência de regiões administrativas no Continente, com poderes e competências próprias. Mais de 40 anos depois, nada foi feito. Sim, estamos a falar de uma forma diferente de distribuir o poder.

Não se trata de criar novos Estados ou separar territórios, a unidade nacional não é colocada em causa, mas sim transferir poderes de decisão de órgãos do Estado para instituições autónomas. Regionalização implica descentralização e criar regiões no país. Não é um tema pacífico porque mexe com muitas matérias e interesses. Já no século XIX, o escritor Alexandre Herculano dizia que a centralização era sinónimo de tirania.

A História mostra que os governos têm aumentado os mecanismos de centralização, excetuando as câmaras e as juntas de freguesia, o poder central não cede poder à periferia. A regionalização foi a referendo a 8 de novembro de 1998, há muitos anos. Os portugueses rejeitaram a ideia das regiões administrativas com quase 61% de nãos. Há poucos meses, António Costa, primeiro-ministro, enquanto secretário-geral do PS, anunciou querer começar a debater a regionalização no final de 2024 com um novo referendo em perspetiva. Aguarda-se o desenrolar dos próximos episódios.

 

Texto: Sara Dias Oliveira