Três diplomatas, três heróis, três portugueses do séc. XX que fizeram coisas certas

Três diplomatas, três heróis, três portugueses do séc. XX que fizeram coisas certas

No século XVI, na sua obra maior, “Os Lusíadas”, o poeta Luís de Camões quis celebrar todos os que para ele eram os grandes portugueses, no passado, no presente e no futuro:

“E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando” (est. 2 , Proposição)

Os diplomatas Aristides de Sousa Mendes, Carlos Garrido e Alberto Branquinho tiveram ações extraordinárias, ajudando a salvar corajosamente muitas vidas durante a Segunda Guerra Mundial e merecem esta distinção de heróis que jamais serão esquecidos.

Aristides de Sousa Mendes (1885-1954)

A 5 de outubro de 2021, Aristides foi homenageado no Panteão Nacional, em Lisboa, numa cerimónia oficial onde estiveram presentes familiares seus e de refugiados salvos por ele. Foi inaugurada uma placa comemorativa que perpetuará o nome deste homem singular entre os outros que “habitam” o Panteão. Mas para aqui chegar, este diplomata, o mais injustiçado dos três, enfrentou o regime político e uma onda de discriminação brutal contra os judeus, tudo vencendo graças à sua força de carácter e determinação em favor do bem e da justiça.

Em 1938, trabalhava ele em Bordéus, França, começaram a sentir-se as primeiras ondas de uma vaga de terror que iria assolar a Europa. Sobretudo os judeus são perseguidos e acossados devido às suas origens e, sob a ameaça de serem deportados para campos de concentração alemães e encontrar aí a morte certa, abandonam as casas e procuram, através das embaixadas e dos consulados, fugir para outros países mais seguros. Portugal era um país “neutro”, não interveio oficialmente nesta guerra, logo, um porto seguro para estas pessoas. Contudo, o governo português tentou travar essa escapatória com a “Circular 14”: todos os vistos de refugiados, entre eles, judeus, russos, polacos, apátridas e outros perseguidos pelo regime nazi, foram suspensos e só a PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) poderia reverter essa situação.

Mas o cônsul Aristides, guiado pela sua consciência moral, recusa cumprir essa circular, desobedecendo ao governo de Salazar. Entre 16 e 23 de junho e trabalhando freneticamente, emite vistos de autorização a indivíduos e famílias inteiras que batiam à porta do consulado português em Bordéus. Assim, podiam entrar em Portugal e ficarem a salvo dos perseguidores nazis. Diz-se que, ao todo, salvou desta forma 30 mil vidas

O valor deste gesto humanitário tinha um preço bem caro que minou a vida de Aristides: não só foi despedido como perdeu o direito à reforma, após 30 anos de bom serviço, os filhos foram proibidos de estudar na universidade e a família perdeu a casa onde viviam em Portugal. Este herói maior morreu literalmente na miséria. O reconhecimento e homenagens só chegaram muito mais tarde e primeiramente do estrangeiro.

Em 1966, Israel deu-lhe a alta distinção de “Justo entre as Nações”. Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos celebrou o seu heroísmo e o seu rosto foi impresso em selos em vários países.

Por cá, só a partir dos anos 80 é que há o merecido reconhecimento: o presidente da República Mário Soares apresentou formalmente desculpas à família e o parlamento promoveu-o postumamente à categoria de embaixador; em 1995, houve um concurso nacional nas escolas sobre este herói; em 2021, realizou-se então a homenagem no Panteão e foi lançada uma moeda com o seu rosto no dia do seu aniversário.

Carlos Sampaio Garrido (1883-1960)

Salvador Reis Garrido posa com o retrato do avô, Carlos Sampaio Garrido
Foto: Paulo Alexandrino / Arquivo Global Imagens

Em 1939, Carlos Garrido era chefe de missão diplomática (inferior a embaixador) em Budapeste, na Hungria, e foi-se apercebendo da onda repressiva da polícia alemã Gestapo contra os judeus daquela cidade, gerando ondas de terror entre os seus habitantes.

Por livre iniciativa, acolheu na casa da Legação de Portugal alguns judeus, diz-se, das suas relações. Depois, a Gestapo assaltou a Legação, levando esses asilados e o diplomata conseguiu resgatá-los após várias tentativas sem sucesso.

O governo português ainda o repreendeu, mas manteve a proteção a esses judeus.

Alberto Teixeira Branquinho (1902-1973)

Este último herói era embaixador em Budapeste em 1944 e também ele decidiu proteger refugiados. A sua genial diplomacia fez com que Lisboa lhe desse carta branca para alargar a sua ação salvadora, emitindo muitos Schutzpässe, papéis de proteção, resgatando assim com sucesso muitas dessas pessoas injustamente perseguidas pelo regime de Hitler.

Encontras referências a estes três heróis no Programa Nacional Nunca Esquecer (2020: em torno da memória do Holocausto e para a promoção dos direitos humanos).

Texto: Maria José Pimentel