O coração de um rei sempre a bater pelo Porto

O coração de um rei sempre a bater pelo Porto

O Porto guarda o coração de um rei português. O resto do seu corpo está sepultado no Brasil. Como é que isto aconteceu?

O amor e dedicação de D. Pedro à cidade do Porto e aos nobres ideais que a sua gente defendeu num período conturbado levaram-no a deixar determinado que, quando morresse, o seu coração fosse oferecido à capital nortenha. Esse coração ainda existe e está guardado na capela-mor da Igreja da Lapa.

D. Pedro IV, também conhecido como o “Rei Soldado” ou “O Libertador” não só foi o 26.º rei de Portugal e dos Algarves como também o 1.º imperador do Brasil, D. Pedro I. Confuso? Também, tudo aconteceu num período muito confuso da nossa História, com uma guerra civil que opôs D. Pedro ao seu irmão, D. Miguel.

D. Pedro (1798-1834) e D. Miguel (1801 – 1866) eram filhos do rei D. João VI e da rainha D. Carlota Joaquina. Quando Napoleão Bonaparte invadiu Portugal com as suas tropas, durante as Invasões Francesas (1807-1813), a família real fugiu para o Brasil, território ainda português. Ficaram a viver no Rio de Janeiro, que se tornou na verdadeira capital do império. Portugal acabou por se livrar dos franceses com a ajuda de tropas inglesas  – há um monumento na Rotunda da Boavista, no Porto, que assinala essa vitória, onde um leão, que representa a bandeira inglesa, pisa uma águia, símbolo do império de Napoleão.

Seguiu-se Revolução Liberal, nascida no Porto, em 1820, um movimento militar que exigiu que o rei D. João VI voltasse para Portugal e que assinasse uma nova Constituição portuguesa. Os revolucionários também exigiam que o Brasil continuasse a ser uma colónia portuguesa. E assim foi: o rei regressou, mas deixou no Brasil o seu filho D. Pedro como regente. Ora, D. Pedro tinha um génio impetuoso e revolucionário. Apoiou o descontentamento crescente das populações brasileiras e o seu desejo de libertação: declarou a independência do Brasil (1822), sendo aclamado imperador D. Pedro I.

Com a morte de D. João VI (1826), gerou-se uma disputa sobre a sua sucessão: por ser o filho mais velho, D. Pedro faz-se proclamar rei de Portugal como D. Pedro IV, mas não regressa a Portugal, deixando o trono à filha, a futura rainha D. Maria II. D. Miguel, o irmão mais novo, também cobiçava o trono e considerava que tinha mais direitos a ser rei de Portugal, porque D. Pedro “traíra” os portugueses ao apoiar a independência do Brasil. Como D. Maria era ainda pequenina, D. Miguel ficou regente e conseguiu o apoio das Cortes (como hoje a Assembleia da República) para, em 1828, ser proclamado rei e fazer D. Pedro perder todos os direitos sucessórios. Mas este último não aceitou isso e… estalou a guerra entre os dois irmãos e os seus apoiantes!

D. Pedro era liberal – defendia ideias modernas, maior liberdade das pessoas e mais limitação dos poderes do governo. D. Miguel era absolutista, ou seja, era a favor de valores mais tradicionais e de um poder absoluto para o rei na governação. Absolutistas e liberais enfrentaram-se várias vezes, com D. Pedro a invadir Portugal a partir dos Açores com as suas tropas e a conseguir refúgio e sólido apoio entre as gentes do Porto. Os miguelistas ou absolutistas fecharam a cidade no Cerco do Porto e, durante um ano, a vida por lá foi muito dura, mas os portuenses resistiram corajosamente em defesa dos ideais de liberdade e do seu querido Rei Soldado. Finalmente, em 1834, os liberais vencem, D. Miguel é expulso do país e D. Pedro recupera os seus direitos ao trono. Contudo, morre logo a seguir, sucedendo-lhe a filha.

Antes de morrer, D. Pedro manifestou o desejo de que o seu coração, embalsamado, fosse entregue à cidade do Porto, como reconhecimento pelos grandes sacrifícios com que os portuenses lhe haviam afirmado a sua dedicação durante o Cerco do Porto, uma marca do espírito livre da cidade. O seu corpo deveria ser sepultado no seu outro país, o Brasil. E o desejo do rei- imperador foi cumprido….

O coração de D. Pedro IV está bem guardado no coração do Porto que dele cuida zelosamente, dada a sua fragilidade e valor simbólico.

É em São Paulo que está sepultado o corpo de D. Pedro, sem coração, numa cripta dentro do monumento da Independência do Brasil, situado no riacho do Ipiranga, onde ele gritou a independência do Brasil.

A homenagem do Porto não se ficou pela guarda e conservação do coração do seu amado rei. Há uma estátua equestre na Praça da Liberdade.

Agora, o governo brasileiro acaba de pedir a Portugal que deixe o coração do “seu” D. Pedro I atravessar o oceano Atlântico, para a celebração do bicentenário da independência do Brasil.

Passados mais de 180 anos, D. Pedro continua a unir os dois países irmãos.

Texto: Maria José Pimentel