Produzir carne em laboratório? Sim, é possível

Produzir carne em laboratório? Sim, é possível

A alimentação tem coisas curiosas. O primeiro hambúrguer com carne sintética surgiu em 2013. Em Singapura, é permitida a venda de nuggets de galinha produzida através de mecanismos de crescimento celular. E já se faz leite com fungos e com proteína de ervilha.

A ciência não pára, pula e avança, e a alimentação do futuro é uma caixinha de surpresas. Em 2013, Mark Post, farmacologista e professor holandês, apresentou ao Mundo o primeiro hambúrguer criado em laboratório feito de pequenos feixes de fibras musculares produzidas com o cultivo de células retiradas de uma vaca. Meninos e meninas: é carne cultivada, é produção celular.

Nos Estados Unidos, dois bioengenheiros trabalham com fungos, fornecem-lhes sequências genéticas usadas pelas vacas para produzir certas proteínas do leite, como a proteína do soro, num processo de fermentação. Resultado: uma espuma por cima do café que parece leite. Só que não é leite de vaca, é leite produzido por fungos.

De Singapura, também chegam novidades. No final de 2020, tornou-se o primeiro país a autorizar a venda de carne criada em laboratório, mais especificamente nuggets de galinha. É carne de galinha semelhante às galinhas do galinheiro, só que é feita com células de galinhas e produzida através de mecanismos de crescimento celular. Ou seja, retiram-se células de uma galinha viva que depois são imersas numa solução líquida, que estimula a sua multiplicação, até produzirem a carne num reator biológico.

Na mesma cidade-Estado (que funciona como um país), há uma empresa a usar células de mamíferos para produzir leite. Em Israel, há progressos na área da carne cultivada. E do Reino Unido chega um estudo que revela que 40% dos consumidores estão recetivos a alimentos criados em laboratório.

 

Células, meio líquido, multiplicação

 

Luís Miguel Cunha, engenheiro alimentar, doutorado em Biotecnologia, especialista em Engenharia e Ciência Alimentar, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, diretor do mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição, investigador do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, começa pelo início, pela razão disto tudo. “O Mundo debate-se com um aumento da população, uma quantidade finita de alimentos, e a necessidade de alimentar esta população, ao que acresce uma forte assimetria na distribuição de bens alimentares.” A sustentabilidade entra em cena, a procura por soluções alternativas intensifica-se, vão-se buscar proteínas a outras fontes, nomeadamente às leguminosas. Temos então as algas, as alternativas de base vegetal, os insetos comestíveis, como as larvas da farinha e o grilo doméstico. Na Tailândia, por exemplo, os gafanhotos congelados vendem três vezes mais do que o frango congelado. E já se faz leite à base de proteína de ervilha. Chegámos à carne sintética produzida em laboratório. Com o peixe haverá algumas experiências, mas nada foi divulgado até ao momento.

 

Textura, sabor, desafios

 

A textura e o sabor são iguais? Os estudos divulgados até agora indicam que sim, sim senhor, não há grande diferença entre a carne sintética e a carne natural. Por outro lado, destacam-se as vantagens desta produção celular. São soluções que protegem o ambiente. Ter menos vacas significa menos metano na atmosfera, aquele gás potente do efeito estufa, libertado durante a digestão. Reduzir a pegada de carbono da agropecuária é essencial e a indústria alimentar tem de fazer a sua parte para atingir o objetivo de zero emissão de carbono até 2050, tal como definido no Acordo de Paris. Luís Miguel Cunha acrescenta a questão de se tratar “de um método alternativo de produção que ocupa menos espaço” e ainda o problema da “desflorestação para criar pasto para os animais” que, de certa forma, é atenuado.

Um futuro que não está assim tão distante, uma vez que se fala numa produção industrial de carne de vaca sintética já em 2024. Mas, como em tudo, há interrogações e desafios. São alimentos novos, o conceito causa alguma estranheza aos consumidores, a produção não é feita em grande escala, os custos associados à tecnologia são elevados, o fabrico é complexo. Há obstáculos técnicos e económicos, entraves diversos. Mas uma coisa é certa: há cada vez mais cientistas que tentam criar carne celular a partir de diferentes animais com o argumento de tornar o sistema de produção alimentar sustentável. Só que pode ser um processo que demora tempo a implementar e a digerir.

 

Texto: Sara Dias Oliveira
Foto: David Parry/PA