O anúncio da revisão do sistema de pensões provocou outra vaga de descontentamento social e protestos nas ruas. Que alterações se pretendem fazer, qual a realidade no resto da Europa e por que motivo esta é uma questão crucial para o nosso futuro.
As medidas
Desde janeiro que as greves e as manifestações se sucedem em França, com mais de um milhão de pessoas nas ruas. O ponto de partida foi o anúncio feito em janeiro pela primeira-ministra do país, Elisabeth Borne, de que o sistema de pensões atualmente em vigor no país seria revisto. Tanto o Governo como o presidente francês, Emanuel Macron, defendem que se trata de uma reforma “responsável e necessária”, mas os sindicatos consideram-na “injusta” e “ideológica”, pedindo que sejam as empresas e os mais ricos a contribuir para o fundo de pensões.
E quais são as alterações propostas? A passagem da idade legal da reforma dos 62 para os 64 anos até 2030, de forma gradual (a ideia inicial até era subir para os 65, mas o Executivo acabou por recuar), bem como o aumento do tempo de contribuição necessário para beneficiar de uma pensão completa: dos 42 para os 43 anos.
O histórico
A reforma do sistema de pensões tem sido um problema crónico em França, um país sempre muito aguerrido na defesa dos direitos sociais. Na verdade, desde François Miterrand (presidente entre 1981 e 1995) que todos os líderes do país têm andado às voltas com a idade da reforma. Jacques Chirac, por exemplo, que sucedeu a Miterrand, tentou passá-la dos 60 para os 62 anos, mas face à enorme vaga de protestos ocorrida em 1995 acabou por desistir.
Mais tarde, com Nicolas Sarkozy, avançou mesmo, mas a “ousadia” pode ter-lhe custado a reeleição. Agora, Macron diz ter sido reeleito precisamente para pôr em prática a “necessária” reforma de pensões. E lembra que a esperança média de vida dos franceses é agora quase dez anos mais alta do que era em 1980.
O panorama
Mas estará esta atualização que o presidente francês pretende implementar muito desfasada daquilo que é a realidade nos restantes países europeus? Na verdade não. Em Espanha, na Bélgica ou na Alemanha, por exemplo, a idade da reforma é atualmente de 65 anos, mas no país germânico já é certo que passará para os 67 anos – referência que já vigora em Itália.
Quanto a Portugal, onde as alterações dependem da variação da esperança média de vida a cada ano, passou recentemente dos 66 anos e sete meses para os 66 anos e quatro meses (culpa da covid-19, que provocou uma mortalidade acima da média). E o que dizer da Irlanda, onde a idade da reforma passará a ser de 68 anos a partir de 2028?
O dilema
E porque é que esta é uma questão relevante? Porque o dinheiro que paga as reformas dos cidadãos provém dos sistemas de Segurança Social de cada país. E estes sistemas vivem dos “contributos” que os trabalhadores dão todos os meses. São os chamados descontos. É por causa deles que o valor que cai na conta dos teus pais ao fim do mês não corresponde ao salário bruto que recebem. Ora, o dilema é que temos cada vez menos filhos (pelo menos, nos países mais desenvolvidos), o que implica menos gente a trabalhar – e a descontar.
Por outro lado, vivemos cada vez mais tempo, o que implica pagar reformas durante mais anos. E para isso os sistemas de Segurança Social precisam de ter mais dinheiro disponível. É por isso que, em toda a Europa, a tendência tem sido para aumentar progressivamente a idade da reforma. Mesmo que isso também tenha impacto na qualidade de vida, sobretudo para as pessoas mais velhas. É um nó difícil de desatar.
Texto: Ana Tulha
Foto: Bertrand Guay / AFP