Amnistia, o perdão excecional e circunstancial

A vinda do Papa Francisco ao nosso país, na Jornada Mundial da Juventude, justifica a medida especial que irá “absolver” infrações penais (não todas), cometidas até 19 de junho deste ano, a quem tem entre 16 e 30 anos.

 

Castigar ou perdoar

 

São poderes antigos, perdoar ou castigar, dos reis soberanos que concentravam em si todas as decisões do reino. Com a faca e o queijo nas mãos. Século após século. Com o Estado de Direito, e com tantas transformações sociais, políticas, judiciais, a clemência passa a ser encarada de uma outra forma.

Surge então a amnistia como ato do poder público que determina a anulação ou diminuição de uma pena imposta por crime, contraordenação ou ilícito disciplinar. Trata-se de um perdão de carácter geral ou coletivo, devidamente enquadrado e justificado num dado momento por circunstâncias especiais. Como, por exemplo, resolver um problema jurídico ou político, aliviar a sobrelotação de prisões, festejar um acontecimento com a visita de uma figura ilustre (como é o caso da mais recente visita do Papa ao nosso país). Há regras definidas e limites estabelecidos.

 

Absolvição papal, dos 16 aos 30 anos

 

A propósito da vinda do Papa Francisco a Portugal, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que termina este domingo (6 de agosto) em Lisboa, o Governo aprovou a aplicação de uma amnistia com alguns ajustes à versão original. Este perdão excecional aplica-se, conforme a proposta socialista, a “sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 0 horas do dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.”

A lei entrará em vigor a 1 de setembro e não há crimes “pesados” perdoados. De fora, ficam as multas de trânsito até aos mil euros, ou seja, coimas até essa quantia em processos de contraordenação administrativos não são perdoadas. Todavia, as penas acessórias estão incluídas nesta amnistia, isto é, multas de trânsito têm de ser pagas, mas, por exemplo, a proibição de condução por excesso de velocidade é amnistiada.

 

A justificação, ipsis verbis

 

A explicação política, tal como está escrita pelo Governo, para este perdão por via do Papa. “Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.” Pensado e escrito. Dito e feito.

 

Roubo, tráfico, violência. Os crimes que ficam de fora

 

O perdão de penas, estamos a falar na redução de um ano a todas as penas de prisão até oito anos, abrange cidadãos entre os 16 e os 30 anos de idades. De fora, ficam vários crimes: roubo, homicídio, infanticídio, tráfico de órgãos humanos, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, violência desportiva, condução perigosa ou sob influência de álcool ou drogas, violência doméstica, ofensa à integridade física grave, maus-tratos, mutilação genital feminina, fraude na obtenção de subsídios, corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, crimes contra a soberania nacional e a realização do Estado de Direito.

 

Indulto presidencial, nas alturas de Natal

 

Trata-se de uma competência exclusiva do Presidente da República, prevista na Constituição portuguesa. Um indulto é um perdão total ou parcial de uma pena, que contempla a substituição de uma pena por outra menos grave. O pedido pode ser feito pelo condenado, seu representante legal, cônjuge ou alguém numa relação semelhante e familiar, ou ainda pelo diretor da prisão. Há regras a cumprir, há crimes que não estão contemplados para perdão presidencial.

O pedido tem de ser feito até ao dia 30 de junho de cada ano e ser remetido com o processo do Tribunal de Execução das Penas. Há vários pareceres que têm de ser feitos pelo caminho, ouve-se a posição do titular do cargo de ministro da Justiça, até à decisão do Presidente da República, que é quem efetivamente decide. Entre as principais razões para os indultos, atribuídos na altura do Natal, estão motivos humanitários e de reintegração social – como casos de recuperação de toxicodependência e alcoolismo ou dedicação aos estudos.

 

Texto: Sara Dias Oliveira
Ilustração: Freepik