Escolher a eutanásia pode ser um direito?

Escolher a eutanásia pode ser um direito?

O Parlamento vai votar projetos de despenalização da morte assistida em Portugal. O tema é pesado e implica mais do que um “game over”. A sociedade divide-se entre a defesa da vida acima de tudo e a luta pela dignidade humana em todas as fases, incluindo no final.

Em Portugal, não gostamos de falar sobre a morte. Mas o tema está em cima da mesa e vão ser votados, no Parlamento, na próxima quinta-feira dia 20, projetos do Partido Socialista, do Bloco de Esquerda, do Pessoas-Animais-Natureza, do Partido Ecologista Os Verdes e da Iniciativa Liberal de despenalização da eutanásia para doentes terminais, lúcidos e em grande sofrimento, após rigorosa avaliação médica, que desejem “morrer bem”.

Esse conceito está na origem grega da palavra “eutanásia”, que se traduz em apoio médico para uma morte sem dor, na altura e no local escolhidos. O conceito parece simples, mas é bem mais do que um “game over” no jogo da vida. Grupos ligados à Igreja estão a tentar reunir assinaturas para obrigar a um referendo no nosso país, onde os maiores de 18 anos serão chamados a dizer se concordam com essa possibilidade de se poder morrer porque a vida se tornou insuportável ou se isso abre portas ao descarte fácil de doentes e idosos, pressionados pela sociedade a deixarem de ser um “fardo”.

 

 Em que países é permitida?

Na Europa, a eutanásia (aplicada pelos médicos) é legal na Holanda e na Bélgica, sendo o suicídio assistido (são dados meios à pessoa para se matar) permitido na Suíça, Luxemburgo e Alemanha. Na Bélgica, chegaram a ser autorizadas eutanásias de crianças, a mais nova com nove anos (tinha um tumor cerebral que iria matá-la). Na Holanda, pensa-se em oferecer comprimidos a todos os maiores de 70 anos que estiverem cansados da vida para poderem matar-se de forma segura e indolor.

Os argumentos pela eutanásia defendem que devemos ter o direito de escolher como morrer, tal como escolhemos se casamos, se temos filhos, etc., e que ninguém deve sofrer mais do que o necessário quando tem uma doença incurável e fatal que impede uma vida tal como a concebemos. Os opositores temem a banalização da morte e o potencial abuso da eutanásia para nos livrarmos dos velhos e dos doentes (em vez de lhes proporcionarmos cuidados de saúde e tirarmos as dores).

 

 Quem quer morrer?

Segundo estudos feitos nos EUA, onde a morte medicamente assistida é legal nalguns estados, 90% dos que pediram para morrer disseram ter cada vez menos capacidades para atividades que tornam a vida agradável e 65% falaram em perda de dignidade. Junto das famílias, apurou-se que não há uma causa única, mas um conjunto de motivos para estes doentes terminais desejarem a morte: declínio de capacidades, dores ou efeitos secundários insuportáveis da medicação, cansaço, perda de identidade, desejo de controle das circunstâncias em que morrem (como morrer em casa), medo da futura qualidade de vida e da morte, experiências negativas passadas com a morte e medo de serem um fardo para os outros.

 

 É preciso ser legal?

Atualmente, por lei, quem ajudar alguém a morrer, de forma ativa ou passiva, pode ir preso por alguns anos. Mesmo que seja o doente a pedir, mesmo que seja o doente a ingerir um comprimido que alguém lhe deu. É homicídio, para todos os efeitos. Agora, o que está em discussão é a possibilidade de um adulto que esteja muito doente e sem possibilidade de cura, mas cuja cabeça ainda pensa muito bem e é capaz de dizer aos médicos o que deseja, poder morrer de forma segura e sem dor.

 

 E se descobrirem uma cura?

Por muito milagrosa que seja a cura, hoje são precisos anos de testes para chegar aos doentes comuns. E os filhos e netos, não vão ficar tristes? É uma questão naturalmente difícil para as famílias, mas por vezes é quem mais ama o doente que acaba por ajudá-lo a morrer (bem), porque não tolera ver sofrer alguém que conheceu com vida, alegria e dignidade.

 

Texto: Erika Nunes