Os cereais do teu pequeno-almoço (e não só) estão mais caros

Os cereais do teu pequeno-almoço (e não só) estão mais caros

O conflito na Ucrânia tem repercussões a vários níveis e a fatura dos produtos alimentares não pára de subir. Portugal não é autossuficiente, depende do que vem de fora, cerca de 90% do trigo que consome é importado.

Rússia e Ucrânia são dos maiores produtores de milho e trigo a nível global, países importantes para o abastecimento de cereais, oleaginosas e fertilizantes – são considerados celeiros do Mundo. Com a guerra, tudo muda. Há consequências na produção, na distribuição, no consumo. E os preços sobem. É o milho, é o centeio, é o pão. O que Portugal semeia não chega para as necessidades internas. Em 2018, por exemplo, os cereais produzidos cá deram apenas para 23% do consumo nacional. O restante veio de outros países. O aumento de custo das matérias-primas agrícolas nos mercados internacionais encarece os produtos e a carteira dos consumidores ressente-se, inevitavelmente. A Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas avisa que o custo dos bens alimentares ronda o nível mais elevado de sempre. E prevê, no pior cenário, uma subida de 21,5% do preço do trigo ainda este ano.

 

Trigo e milho

Com o conflito armado na Ucrânia, a cotação dos cereais não pára de aumentar. O trigo e o milho sobem mais de 10%. Em março, por exemplo, a cotação do trigo para entrega subiu e chegou aos 344 euros por tonelada métrica, atingindo, na altura, o valor máximo da última década.

A pandemia, a seca, a guerra

 

Há uma conjugação de três fatores que é preciso ter presente: a pandemia, a seca, o conflito na Ucrânia. Não há dúvidas de que a guerra no leste da Europa agrava tudo. Mas há outros aspetos a ter em conta. O aumento do preço dos produtos que dependem direta ou indiretamente dos cereais não é de agora, de 2022. No ano passado, a reposição de stocks por parte da China foi afetada pela crise suína que o país viveu em 2020. A procura de rações na China e a seca na América do Sul condicionaram a produção de cereais. A inflação fez o seu trabalho e os preços subiram. Em fevereiro, os preços dos alimentos atingiram subidas históricas de 24% em relação ao período homólogo.

 

Tudo a subir: Pão, enlatados, carros

 

A guerra na Ucrânia tem efeitos transversais preocupantes – já deves ter sentido isso de alguma forma. O fornecimento de cereais, de metais e madeiras, de fertilizantes, de derivados do petróleo, entre outras matérias, está a sofrer um abalo enorme. A Rússia não abastece o resto da Europa e a Ucrânia continua a resistir a uma invasão que condiciona toda a sua forma de vida.

Quase tudo aumenta no preço final ao consumidor, consequência direta da escassez de matérias-primas devido ao conflito na Ucrânia. O pão, os legumes, os óleos alimentares, os eletrodomésticos, os enlatados, os automóveis, as viagens de avião devido ao preço do combustível. Nem os cereais que comes ao pequeno-almoço escapam. O mercado parece virado de pernas para o ar e a incerteza paira no ar.

 

Ucrânia

NUNO VEIGA/EPA

País responsável por 76% da produção mundial de óleo de girassol. A Ucrânia fornece 12% do milho do Mundo e é o maior exportador mundial de óleo de girassol. Com a guerra, a produção é afetada, a exportação de alimentos básicos é suspensa, a prioridade é dada à alimentação da sua população. Além disso, as rotas marítimas no mar Negro não funcionam na sua normalidade, há gente com medo de circular nessa zona, e esse percurso pode mesmo ficar inativo por bastante tempo. Desta forma, a pressão sobre os preços agrava-se.

 

Rússia

ANDREJ CUKIC/EPA

O país suspendeu a passagem de navios comerciais no mar de Azov. E paira a ameaça de suspender a exportação de cereais até 30 de junho.

 

A dependência e a estratégia

Os cereais que os portugueses consomem vêm, num volume elevadíssimo, de fora, são importados, portanto. Um exemplo: 90% do trigo que chega cá vem de outros países. Em 2019, só para teres uma ideia, Portugal importou mais de um milhão de toneladas de trigo e produziu menos de 60 mil. É uma dependência que custa caro e que é necessário reverter. Há um plano para tratar do assunto, mas a realidade não é famosa.

A Estratégia Nacional para a Promoção de Cereais, lançada em 2018, pelo então ministro da Agricultura, Capoulas Santos, traçava objetivos para um horizonte temporal de cinco anos, até 2023. Reduzir a dependência externa e aumentar as áreas de produção de cereais aparecem como metas a alcançar.

O plano é específico nas percentagens: meta de autoaprovisionamento, ou seja, autossuficiência alimentar, de 40% das necessidades do país. Mais concretamente: 80% em arroz, 50% em milho, 20% em trigo, cevada e aveia. Só que nem de perto, nem de longe. Os números de agora mostram um cenário bem diferente. Neste momento, os níveis de aprovisionamento estão nos 10%, longe dos 40% previstos atingir no próximo ano. A taxa de aprovisionamento de trigo andará pelos 6,3% e a de milho em 23,7%, bastante aquém das expectativas iniciais.

 

Texto: Sara Dias Oliveira