A captação de fenómenos através dos sentidos é a primeira etapa do longo percurso de armazenamento de informação no cérebro. Como é que o que vivemos passa do Mundo para a nossa cabeça? E porque nos lembramos de umas coisas e esquecemos outras?
Todos sabemos o que é a memória. Temos recordações de infância, conhecimento geral ou informações úteis armazenadas que nos ajudam no dia a dia. Mas, se quisermos uma definição mais técnica, Tiago Gil Oliveira avança que “é a capacidade que temos para armazenar informação do ambiente para ser utilizada num momento posterior”.
O neurocientista da Universidade do Minho explica que o primeiro passo para uma memória começa muito antes do armazenamento de informação. “A primeira etapa é a perceção de fenómenos através dos sentidos.” Os olhos, o nariz, a pele, a língua e os ouvidos desempenham o primeiro papel nesta viagem que é a formação de memórias. A informação que é captada do ambiente é depois transformada em impulsos elétricos, que atravessam o sistema nervoso até chegar ao cérebro.
A informação é organizada e compactada com a ajuda, em parte, do hipocampo e depois fica alojada no neocórtex, considerada a parte mais evoluída do cérebro, especifica Tiago Gil Oliveira, também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurociências. O hipocampo é uma das regiões afetadas pela doença de Alzheimer. O que justifica, parcialmente, o porquê destes doentes apresentarem défices de memória. Uma vez no cérebro, as informações são codificadas de formas distintas, em diferentes sistemas e em localizações variadas, consoante o tipo de memória em causa. Uma complexidade ainda em estudo por investigadores em todo o Mundo.
Poucos segundos ou toda a vida
Apesar de o processo de assimilação ser semelhante, existem vários tipos de memória. A memória sensitiva, a primeira a ser formada logo após um fenómeno e que dura alguns segundos, passa para memória de curto prazo, que pode permanecer alguns minutos. Quando algo de especial acontece, pode passar de curto para longo prazo. O clínico exemplifica com a comida. “Somos capazes de nos lembrar qual foi a última refeição que fizemos, no entanto, a não ser que esteja associada a um evento ou emoção especial, muito provavelmente não nos lembramos do que comemos há duas semanas.” Quanto mais associações fizermos, mais fácil será a recordação. “Por muitos anos que passem, todos nos lembramos do nosso primeiro dia de escola, pelas emoções fortes associadas, como a ansiedade e a curiosidade, mas já não nos lembramos do segundo ou do terceiro dia”, acrescenta Tiago Gil Oliveira.
Outro fator que influencia fortemente a capacidade de uma memória passar de curto para longo prazo é a atenção que lhe dedicamos na hora de registar a informação, o que é relevante, por exemplo, no estudo.
A seleção que o cérebro faz do que é informação necessária está ligada a diversos fatores, mas o médico neurorradiologista destaca dois: a associação, como já referido, e a repetição. “Quando se repete algo muitas vezes, não temos de pensar, torna-se uma memória mecânica.” É o caso de conduzir ou andar de bicicleta, por exemplo.
O stress dos exames e os apagões
Agora a informação está armazenada. E como vamos buscá-la? O investigador destaca que podemos fazê-lo de um modo ativo ou passivo. Isto é, ou nos esforçamos para aceder ao que está guardado na nossa memória ou a mesma é ativada involuntariamente por estímulos que lhe estão associados.
“Está na ponta da língua.” Já ouvimos esta expressão diversas vezes e é comum não nos conseguirmos lembrar de algo que sabemos. São vários os fatores que explicam este fenómeno, mas o stress é um dos principais e pode bloquear momentaneamente a capacidade de ir buscar informação armazenada. “Quando estamos num teste, uma situação de ansiedade, podemos esquecer-nos de uma informação que vamos recordar mais tarde, quando já estivermos fora do teste e do ambiente de stress”, sublinha Tiago Gil Oliveira.
Texto: Sara Sofia Gonçalves