Os pratos de Natal não são todos iguais, variam em função das diversas regiões. Há tradições que atravessaram séculos e continuam a marcar presença nas casas dos portugueses.
A localização geográfica, as vontades dos homens que mandam no país, o contexto social e cultural, o estatuto económico das famílias, os usos e costumes, a religião, as regras católicas. Tudo isto ajuda a explicar por que razão os pratos de peixe e de carne variam à mesa de Natal. Bacalhau por todo o país, polvo sobretudo no Norte, peru nas casas em que esta proteína ganhou raízes e passou de geração em geração. As tradições gastronómicas têm uma razão de ser e o Natal não é exceção.
Bacalhau na ceia de 24 de dezembro é o mais comum, um hábito que se mantém há pelo menos cinco séculos. O peixe seco e salgado é cozido, batatas também cozidas em água a ferver e, por cima, no prato, cebolas cortadas em rodelas e refogadas em azeite quente para quem quiser. A tradição é antiga, há quem a coloque na Idade Média. Os cristãos tinham de fazer jejum nas principais festividades católicas e o Natal não escapava à regra. Carne nem pensar e, portanto, o bacalhau era uma boa opção, até pela sua extraordinária capacidade de conservação. Entrou na ementa natalícia e nunca mais de lá saiu.
O jejum na ceia de Natal foi desaparecendo, o gosto ficou, atravessou séculos, entranhou-se no país que hoje é um dos maiores consumidores de bacalhau em todo o Mundo. A tradição ganhou fôlego depois da II Guerra Mundial, nos anos 1940, com o Estado Novo a defender com unhas e dentes a pesca do bacalhau e o prato barato e humilde na ceia de Natal. Havia fome em Portugal e Salazar queria um país poupado. O costume não saiu do mapa e é respeitado em todo o país.
Dos ricos aos pobres
No Norte, do Minho a Trás-os-Montes, o polvo é rei à mesa de Natal. Há sobretudo duas razões. A proximidade geográfica à Galiza, líder mundial da pesca do polvo, e a riqueza deste peixe habitualmente reservado para ocasiões especiais – e que marcou território muito antes do bacalhau. Espalhou o charme e o sabor e permanece em muitas casas do Norte do país.
O peru também entra em muitas casas na época natalícia. A História tem várias referências: o ganso à mesa da rainha Isabel de Inglaterra, a importação da ave da América do Norte para a Península Ibérica pelos castelhanos no século XVI, a troca do batismo pelos portugueses que chamaram peru ao ganso, por pensarem que o animal era sul-americano. No início do século XVII, o poeta e dramaturgo inglês Shakespeare coloca o animal na sua peça “Noite de Reis”, amarrando-o à quadra natalícia.
No nosso país, o peru começou por ser alimento das classes mais abastadas e no século XVII tornou-se popular nas famílias de todos os estatutos sociais e económicos. Mais tarde, no início do século XIX, dias antes do Natal, havia bandos de perus vivos que eram vendidos nas ruas de Lisboa. Houve um tempo, do jejum religioso no dia 24, em que só era comido depois da Missa do Galo, após a meia-noite.
A tradição gastronómica perdura, seja à ceia do dia 24, seja ao almoço do dia 25. Entrou na consoada pela porta dos mais ricos, ave considerada nobre e símbolo de ostentação, e acabou por chegar a todas as franjas da sociedade. No Natal, quer-se assado e recheado. Ao gosto de cada família.
Texto: Sara Dias Oliveira