O país viveu 48 anos em ditadura até que o dia da liberdade amanheceu com o Movimento das Forças Armadas nas ruas. O Estado Novo caiu e Portugal libertou-se da censura e da opressão. Há homens que ficam para a História.
É uma data para nunca mais esquecer: 25 de abril de 1974. Nesse dia, o país que acordou não seria mais o mesmo. O Movimento das Forças Armadas (MFA) tinha um plano para libertar um povo cansado de um regime sufocante, de uma guerra colonial sem fim à vista. Portugal queria respirar. Os militares pegaram em armas, conduziram tanques e chaimites, e fizeram a Revolução em nome de um estado democrático. Sem sangue, com cravos nas mãos. Na linha da frente, vários homens poeticamente batizados de capitães de Abril. Dessa lista, alguns exemplos.
Salgueiro Maia: o capitão
O rosto mais visível da operação militar. Pragmático e firme. Comandou as tropas revolucionárias de Santarém até Lisboa na madrugada do 25 de Abril. Juntou 240 homens e há uma célebre declaração que lhe é atribuída: “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos”.
Cercou os ministérios do Terreiro do Paço e o quartel da Guarda Nacional Republicana, no Carmo, onde estava Marcelo Caetano, o então chefe do Governo, que se rendeu, se demitiu e partiu para o exílio, no Brasil. Nas horas seguintes, era criada a Junta de Salvação Nacional.
Salgueiro Maia era capitão, frequentou a Academia Militar e a Escola Prática de Cavalaria, esteve na linha da frente da Revolução de Abril, a liderar momentos tensos, membro da comissão coordenadora do MFA desde o início. A marcha da coluna militar até ao Carmo é acompanhada por civis, por gente nas ruas, que gritam “Abaixo o fascismo”, “Liberdade! Liberdade!”.
Depois de Abril, retomou a carreira militar e recusou as honras e o protagonismo que o país lhe quis dar. Sempre recordado nas comemorações da Revolução, este ano, a sua vida está no grande ecrã. O filme “Salgueiro Maia – o implicado” acaba de estrear com histórias ainda não contadas sobre este capitão de Abril que morreu em 1992 com apenas 47 anos.
Vasco Gonçalves: o general
Militar, general, um dos coordenadores do MFA, integrou a comissão de redação do programa desse movimento, liderou o conselho revolucionário. Combateu na Guerra Colonial e percebeu que aquele conflito não fazia sentido. Por isso, aderiu ao Movimento dos Capitães em dezembro de 1973. Depois da Revolução, foi nomeado primeiro-ministro nos segundo, terceiro, quarto e quinto governos provisórios, no período que ficou conhecido como Processo Revolucionário em Curso (PREC). Morreu em 2005.
Vasco Lourenço: o coronel
As memórias de Abril apresentam-no como um dos principais impulsionadores do Movimento dos Capitães. Tenente-coronel, fez parte da comissão coordenadora do MFA, é preso nas vésperas da Revolução, transferido para Ponta Delgada, Açores, onde assiste ao golpe militar. Um dos fundadores e atual presidente da Associação 25 de Abril.
Otelo Saraiva de Carvalho: o estratega
Um dos nomes mais conhecidos do grupo dos militares de Abril, um dos homens que elaboraram o plano da Revolução. Sempre ao comando das operações. O estratega, o cérebro, o comandante, com vocação para a tática de artilharia. Morreu em julho do ano passado. Em 1983, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Um homem polémico, candidato à Presidência da República por duas vezes, esteve preso por envolvimento na rede terrorista FP-25. Polémicas à parte, a história apresenta-o como um ícone da Revolução. Ao longo da vida, partilhou, diversas vezes, o que lhe ia na alma naquele Abril de 1974, no golpe que derrubou Marcelo Caetano que estava no Governo (Salazar tinha morrido há cerca de quatro anos). Correu tudo mais ou menos como tinha planeado. “Este povo, que viveu 48 anos sob uma ditadura militar e fascista, merecia mais do que dois milhões de portugueses a viverem em estado de pobreza”, disse, certo dia, à distância da Revolução. Nunca se arrependeu do 25 de Abril, em sua opinião, “o mais notável acontecimento da História contemporânea”. “Sou do 25 de Abril um orgulhoso protagonista”, referiu, em 2011, nas comemorações do dia da Revolução.
As senhas-canções
Os militares do MFA ocuparam os estúdios do Rádio Clube Português com um propósito e com canções que a ditadura tinha proibido. Eram senhas para avançar, sinais de vontade de democracia e de liberdade. A canção de Paulo de Carvalho “E depois do adeus”, transmitida a cinco minutos das 11 da noite do dia 24 de abril de 1974, era o sinal combinado para que os militares preparassem a saída dos quartéis. Menos de duas horas depois, passavam 20 minutos da meia-noite do dia 25 de abril, ouve-se a primeira quadra da canção de Zeca Afonso “Grândola, vila morena”. Era a senha para avançar com as operações contra a ditadura, um código combinado com os capitães de Abril. A Revolução estava em marcha.
E depois?
Depois do 25 de Abril, os presos políticos são libertados. Álvaro Cunhal, o histórico comunista, regressa a Lisboa. Vários exilados no estrangeiro voltam ao país, membros da polícia política (da PIDE) são presos, criam-se partidos políticos de várias fações, a imprensa torna-se livre, as estruturas sindicais mostram a sua força. Só no ano seguinte, em 1975, depois de alguns períodos históricos e sociais conturbados, a situação acalma e o país caminha para um sistema democrático. A liberdade, finalmente, a liberdade.
O cravo vermelho
É o símbolo da Revolução por um acaso. Uma pastelaria da baixa de Lisboa queria festejar o seu primeiro aniversário com flores, oferecer cravos vermelhos aos clientes. Mas na rádio ouvia-se falar de uma revolução, a pastelaria decidiu fechar, os funcionários receberam ordens para levar os cravos para não murcharem. Celeste Martins Caeiro levou-os e distribuiu-os aos militares nas ruas. Reza a história que um soldado colocou o cravo no cano da espingarda. O gesto, repetido por outros colegas, ficou imortalizado para sempre. E a revolução foi simbolicamente batizada de Revolução dos Cravos. Não havia tiros, havia flores.
Texto: Sara Dias Oliveira