Referendo: a pronúncia do povo

Há um instrumento da democracia em que os eleitores votam sobre questões de relevante interesse nacional ou local, que têm de ser decididas pelos poderes políticos. Porém, tem sido pouco utilizado. Vamos explicar-te tudo.

Sufrágio direto e secreto

Quando há um assunto delicado sobre o qual os órgãos do poder político têm de decidir, há a opção de recorrer a um instrumento da democracia que tem o seguinte nome: referendo. Os eleitores são então chamados a pronunciar-se sobre essa matéria, por sufrágio direto e secreto. É como uma eleição, não para votar num partido, mas para auscultar o sentir do povo sobre determinado tema que pode ser de âmbito nacional, local ou regional. Por isso, há referendo nacional, referendo local, referendo regional – os dois últimos circunscritos a um concelho, ou a um território, sobre algo que diz respeito àquela população e não a todos os eleitores do país.

A marcação de um referendo nacional obedece a regras. A Assembleia da República, o Governo e grupos de eleitores constituídos para esse efeito podem apresentar propostas de referendo para todo o país. A decisão da sua convocação é competência do presidente da República. Num referendo local (ou municipal), essa possibilidade cabe à câmara municipal ou assembleia municipal, junta de freguesia ou assembleia de freguesia, e grupos de cidadãos recenseados nesse território. A marcação está nas mãos da assembleia municipal ou assembleia de freguesia, pela maioria de votos. Nos Açores, a iniciativa de proposta de referendo está nas mãos da Assembleia Legislativa Regional e a decisão de convocar ou não a cargo do presidente da República.

 

Um assunto, três perguntas, no máximo

As regras são claras. Cada referendo só pode debruçar-se sobre uma matéria. Um assunto, apenas, para evitar confusões. Sobre esse tema só podem ser feitas três perguntas, no máximo, com o máximo de objetividade e clareza. Não há considerandos, introduções ou notas explicativas. E as respostas são sim ou não.

 

O que diz a Constituição

“O referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.” Se assim não for, nada feito. Nem vence o sim, nem vence o não. Se não for vinculativo, não tem força de lei. Ainda assim, não significa que a expressão do povo não seja um indicador significativo e com peso na decisão política.

 

Aborto e regionalização

Até ao momento, foram realizados três referendos nacionais. O primeiro, a 28 de junho de 1998, sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. A pergunta era esta: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” Ganhou o não com 50,9% dos votos, mas votaram apenas 31,9% dos eleitores inscritos. Ficou sem efeito, mas o então primeiro-ministro, António Guterres, seguiu a decisão da maioria que votou.

Nove anos depois, em fevereiro de 2007, foi feita a mesma pergunta num novo referendo. Desta vez, foi diferente. Ganhou o sim com 59,25% dos votos, mas, mais uma vez, votaram menos de 50% dos eleitores, mais concretamente 43,57%. Apesar disso, a lei mudou no sentido do sim, da maioria da consulta popular. O assunto voltou à ordem do dia, quando, durante a última campanha eleitoral, um ex-secretário de Estado, vice-presidente do CDS, e candidato da AD, Paulo Núncio, falou na alteração à lei do aborto e num novo referendo. A situação causou polémica.

Pelo meio dos dois referendos, houve uma segunda consulta popular, de âmbito nacional, em novembro de 1998, sobre a regionalização, ou seja, instituir ou não instituir regiões administrativas. Venceu o não com 63,52% dos votos e a regionalização não avançou.

Em 2013, houve um referendo que estava para ser e não o foi sobre a coadoção por casais do mesmo sexo. O Tribunal Constitucional considerou a proposta inconstitucional nos moldes em que estava feita com duas perguntas que, para este tribunal, poderiam “conduzir à contaminação recíproca das respostas”. As questões então propostas pelo PSD eram estas: “1. Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adotar o filho do seu cônjuge ou unido de facto? 2. Concorda com a adoção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?” Ficou tudo como estava.

 

Estacionamento e território

Em fevereiro do ano passado, os eleitores da freguesia de Benfica foram ouvidos num referendo sobre o alargamento do estacionamento pago. “Concorda que a Junta de Freguesia de Benfica emita um parecer favorável à colocação de parquímetros nas zonas de estacionamento de duração limitada de Benfica?” era a pergunta. A resposta foi um rotundo não com quase 80% dos votos. A questão é que nem metade dos recenseados votou. O que significa que a expressão de votos do referendo não é vinculativa.

Há mais tempo, em setembro de 2012, a freguesia de Milheirós de Poiares, do concelho de Santa Maria da Feira, foi a referendo para ser ouvida quanto à opção de passar ou não para o município vizinho de São João da Madeira. Venceu o sim com quase 80% dos votos, mas a abstenção ganhou, e o sentir da maioria do povo acabou por não ter expressão. Milheirós de Poiares continua no concelho da Feira.

Texto: Sara Dias Oliveira
Foto: Rui Manuel Fonseca/Global Imagens