O Homem sempre ergueu e destruiu monumentos, símbolos de poder, motivos de orgulho. Mudam-se os tempos, mudam-se as esculturas.
A estátua do Padre António Vieira, em Lisboa, foi manchada com tinta vermelha e alguém escreveu a palavra “descoloniza”. Outras esculturas no Jardim da Cordoaria e na Praça Carlos Alberto, no Porto, foram pintadas com lágrimas azuis – aconteceu à estátua de Humberto Delgado e ao busto de António Nobre, por exemplo.
Nos Estados Unidos, com a morte de George Floyd às mãos da polícia, a luta contra o racismo ganhou força e obras de figuras ligadas à escravatura e à era colonial foram atacadas, como a do navegador Cristóvão Colombo. Na Madeira, a estátua de Colombo também foi derrubada e vandalizada. Em Bruxelas, na Bélgica, o Rei Leopoldo II foi pintado de vermelho – há quem o associe à morte de dez milhões de congoleses. Neste momento, em Espanha, há um movimento para retirar o nome do rei emérito Juan Carlos I – envolvido em escândalos de corrupção – de ruas, mapas e instituições.
Deuses e reis
Joel Cleto, historiador e arqueólogo, refere que “nem sempre podemos julgar o passado com os olhos do presente”. “Desde a Pré-História que o Homem ergue estátuas para representar personalidades que não são necessariamente reais”, recorda Joel Cleto. Figuras mitológicas, mais tarde figuras meio humanas e meio deuses, depois figuras com estatuto de divindades, faraós e imperadores. “São figuras de destaque e de referência para as comunidades. São heróis.” Como reis e descobridores. Há ainda estátuas religiosas e esculturas de gente ligada ao clero. No século XIX, a burguesia “também se vai afirmando socialmente, erguendo estátuas”. Bustos de médicos, cientistas, professores, poetas.
Símbolos de identidade
As esculturas fazem parte da identidade de um povo. “São símbolos dos grandes feitos de uma nação: conquistas militares, façanhas políticas ou proezas científicas”, esclarece Elsa Peralta, antropóloga, especialista em Antropologia Cultural. “São também uma forma de perenizar no espaço público, as figuras maiores de um estado-nação, exercendo pedagogia em relação à História do país e sublinhando a soberania.”
Demolições conscientes
“Ao longo dos séculos, o Homem tem erguido muitas estátuas, mas também as tem derrubado consciente e propositadamente”, realça Joel Cleto. Tudo tem um contexto histórico. Quando os romanos entraram na Península Ibérica, derrubaram o que encontram. Quando o cristianismo passou a ser a religião dominante, as imagens dos deuses romanos desapareceram.
Movimento social
As estátuas são símbolos de poder. Elsa Peralta diz que o derrube e a vandalização de estátuas devem ser vistos “como parte de um movimento social global de tomada de consciência relativamente à violência exercida pelo colonialismo sobre os povos e territórios colonizados”. No Ocidente, há estátuas que representam conquistas coloniais. “Muitas pessoas desses países, brancas ou negras, têm vindo crescente mente a contestar essa representação, reclamando por uma história mais inclusiva e verdadeira, que não contribua para o esquecimento da violência exercida pelo colonialismo.”
Texto: Sara Dias Oliveira