O estranho caso da Coreia do Norte

Cinco anos depois, o país liderado por Kim Jong-un prepara-se para reabrir portas ao turismo estrangeiro. A covid ajuda a explicar uma pequena parte da história, mas o assunto dá pano para mangas.

 

A pandemia e um longo encerramento

O ano de 2020 ficou marcado pela pandemia de covid-19, que nos obrigou a ficar em casa durante semanas a fio. O risco de o vírus se propagar ainda mais rapidamente levou até os países a fecharem as suas fronteiras, impedindo a entrada de cidadãos estrangeiros. Só que se na maior parte dos estados esta foi uma medida temporária, tomada num contexto de crise, no caso da Coreia do Norte a decisão prolongou-se ad eternum. Vejamos: o país comunista fechou fronteiras no início do 2020 e só agora anunciou que em dezembro voltará a permitir a entrada de turistas. São quase cinco anos sem visitas!

 

O país mais isolado do Mundo

Ora, e como se explica este encerramento interminável? Por um medo colossal da pandemia e dos seus efeitos, questionarás tu? A hipótese é muito pouco plausível. Basta ver que o ímpeto da covid-19 abrandou faz tempo e que já todos nos habituámos a conviver com a doença no nosso dia a dia. Para percebermos a dimensão desta decisão, temos de nos lembrar que em causa está o país mais isolado do Mundo, controlado com pulso de ferro por uma dinastia desde que foi criado. Uma ditadura em que se ignoram convenções de direitos humanos e que volta e meia ameaça com a cartada das ogivas nucleares (o que lhe tem valido múltiplas sanções e bloqueios por parte de vários países, com os EUA à cabeça).

 

Pior companhia aérea

E então, como será viajar para o país de Kim Jong-un? Segundo o jornal brasileiro “o Tempo”, só há uma companhia responsável por levar os turistas ocidentais para o país. Trata-se da Air Koryo, companhia estatal norte-coreana, que, por sinal, foi considerada a pior transportadora aérea do Mundo por quatro anos consecutivos. Aparentemente, alguns dos aviões em circulação têm mais de 60 anos e os pilotos voam sem ajuda de computadores de bordo. Não é lá grande cartão de visita, pois não?

 

Dobrar revista ou jornal é crime

Há outros relatos inusitados. Renato Alves, jornalista brasileiro que conseguiu entrar no país (uma raridade) e que a partir daí escreveu o livro “O reino eremita”, conta, por exemplo, que todos os jornais e revistas do país são produzidos por “fiéis assessores do Governo” – o que significa, claro, que não há jornalismo. Mais: dobrar ou rasgar uma destas publicações é crime e no limite pode dar prisão. A explicação é esta: todos os jornais norte-coreanos têm uma foto de Kim Jong-un como imagem de capa, o que significa que qualquer dano é visto como uma ofensa grave.

 

Circulação apertada

Há mais. As regras em relação à circulação no país também são (ou eram, até o país “fechar” por causa da covid) apertadíssimas. Para quem vem de fora, há um itinerário rígido que deve ser seguido. Para garantir que não há desvios, os agentes do Estado comunista fazem questão de acompanhar os visitantes. A visita passa invariavelmente pela capital, Pyongyang, volta e meia também pela zona desmilitarizada, na fronteira com a Coreia do Sul. Já a circulação por zonas rurais, onde imperam a miséria e os campos de trabalhos forçados, é para esquecer. De resto, os turistas nem sequer podem escolher o hotel e o roteiro da viagem, nem sair do hotel sem o guia ou a autorização dele.

 

Texto: Ana Tulha
Foto: KIM Won Jin / AFP