A preparação biológica que protege contra doenças exige o máximo cuidado. Testes e ensaios. E pode demorar oito a dez anos a estar pronta a ser usada.
Comecemos pelo início. O nosso corpo tem um sistema imunitário, sempre com as antenas no ar, que dá sinal quando agentes estranhos penetram no organismo. Podem ser vírus, bactérias, parasitas, fungos. Há uma reação, uma resposta inflamatória e é preciso eliminar o que causa perigo.
O primeiro reconhecimento desse elemento estranho demora algum tempo, cerca de duas semanas para atingir a máxima intensidade. Será mais rápido nas vezes seguintes, nas experiências ao mesmo agente patogénico, uma vez que o sistema já tem memória, células ativadas prontas a responder, atuando depressa para nossa proteção.
“As vacinas tentam imitar esse primeiro contacto em que se cria a memória”, explica Pedro Madureira, especialista em vacinas, bioquímico, doutorado em imunologia, investigador do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, no Porto.
As vacinas, que são uma preparação biológica, são o próprio vírus (ou agente patogénico) num tubo que é injetado no corpo, evidentemente com outras características, ou seja, sem capacidade de infetar, sem causar doenças. E é esse o truque. Fazer bem e não mal com um sistema imune preparado para qualquer ataque do exterior.
Neste momento, cientistas em várias partes do Planeta dão tudo por tudo para tentar criar a vacina que trave a pandemia da Covid-19, que já fez milhares de mortos em tantos países. São tempos excecionais que exigem prazos e regras excecionais. Ainda assim, estima-se que essa vacina só esteja pronta no próximo ano. Seria um tempo recorde, apesar de tudo, já que uma vacina demora, em média, oito a dez anos a estar pronta e a chegar ao mercado.
Testes em animais, ensaios em humanos
Há um longo caminho até uma vacina ser usada pela população em todo o Mundo. Muito conhecimento, muita técnica, extrema perícia, testes e ensaios clínicos. Mas é de extrema importância. “É a única ferramenta que consegue erradicar doenças infecciosas”, assinala Pedro Madureira.
Um dos primeiros passos passa por neutralizar ou atenuar o agente infeccioso, seja um vírus ou uma bactéria, após a sua identificação e a sequenciação do seu genoma. É um processo rápido. Depois, é preciso perceber se os microrganismos atenuados são suficientes para permitir a produção de anticorpos capazes de proteger contra a infeção. É uma tarefa complexa.
Há três fases na produção de uma vacina e cada passo requer autorizações de entidades internacionais. Há regras – não podia ser de outra forma – a cumprir ao milímetro neste delicado campo da saúde. Depois dos testes feitos em modelos animais, avança-se para a etapa seguinte, para o que se vai passar no ser humano. Pode ser tudo diferente.
“A fase 1 é para despistar toxicidade, qualquer efeito adverso.” Pode demorar um ano, no mínimo. “A vacina tem um efeito preventivo, fica para a vida toda.” Por isso, é necessário analisar à lupa consequências crónicas.
Na segunda fase, testa-se a eficácia, se possível em diversos laboratórios, em países diferentes, o que pode demorar mais de dois anos. Tenta-se perceber se há um aumento de anticorpos no sangue prontos a responder ao ataque do agente patogénico. São esses anticorpos que impedem a entrada do que é mau e perigoso nas nossas células.
A terceira fase é igual à anterior, mas em larga escala, com muito mais voluntários. Os ensaios clínicos demoram anos. Pedro Madureira calcula que uma vacina pode demorar entre oito e dez anos a estar pronta. “É um processo altamente regulado, não se pode facilitar, é da vida que estamos a falar.”
Anos, doses, reforços
As vacinas são o meio mais eficaz e seguro de proteção contra determinadas doenças. O Programa Nacional de Vacinação tem indicações precisas de idades, doses, reforços, a cada altura da nossa vida. Tudo isso é devidamente registado no nosso boletim de saúde. Logo à nascença, é dada a primeira dose da vacina contra a hepatite B. Aos dois meses, as primeiras doses contra a difteria, tétano, tosse convulsa, entre outras. Aos quatro, seis, 12, 18 meses, mais vacinas, como a do sarampo. Aos cinco e aos dez anos, mais doses e reforços. Os reforços das vacinas contra o tétano e difteria, em doses reduzidas, são feitos aos 10, 25, 45, 65 anos de idade – depois disso, de dez em dez anos.
Texto: Sara Dias Oliveira